Cheguei ontem no apartamento mais aturdido que triste, mais triste que cansado. A porta pesada, uma eterna escada, a consciência de que tenho pernas, alguma coisa tenho. Pernas, essas coisas que doem e não me levam a lugar algum. O coletor de lixo já passou, aqueles sacos na varanda ainda ficarão por mais um dia a fazer-me companhia, a companhia de conviver com as coisas que jogo fora.
A mesa posta de papéis. Queria escrever um poema, não saiu, não veio, não nasceu. Então uma carta, ansiava a folha de papel almaço presa a uma pequena prancheta, ansiava por quebrar-me o silêncio para desvendar-me os segredos, saber dessa cara de quem comeu e não gostou. Nem poema e nem carta. Nem vontade de chorar por acaso me deu.
Só não deu para evitar os pensamentos que buscam em volta tudo o que não se tem, por não ter mesmo ou não poder ter. Os livros fechados num respeitoso silêncio.
Fome. Mortadela esquentada na frigideira com pão de forma, dois copos de refrigerante. Preguiça de fazer um café, nenhuma vontade de ingerir algo alcoólico. Um cigarro, este sim, fiel, não me falta. Um estar na varanda como em dias de outrora, estranhando o silêncio mais fora do comum, nenhum carro ou ônibus sobe ou desce a avenida, os vizinhos dormem e ninguém passa na rua. E isto tudo parece que a noite inteira.
Olhar em volta e fazer um inventário de tudo o que me falta. Falta-me somente você e tudo de seu que se torna impregnado no apartamento, em minhas lembranças e tão dentro do fundo de mim mesmo.
Eu tive que arrancar-lhe as palavras que hesitava me dizer, para minha ruína e infortúnio. Eu tive que responder as perguntas que lhe fiz, responder a mim mesmo, entendendo o que nunca diz e nunca vai dizer.
Eu vou esperar sábado você não vir. Vou esperar com uma devoção medonha estar errado em minhas esperanças, mais uma vez. E pode ser que não esteja. Então, finalmente, não vou ter mais pelo que esperar.
Eu acordo agora pensando numa razão e numa forma para deixar você em paz.
E fico fazendo túmulo do lugar onde moro, vou adivinhar que se vier sábado vai ser para me devolver as chaves e o olhar meu que lhe persegue. Se vier, vai ser para apagar o último candelabro, quebrar o último espelho, fazer-me esquecer as músicas que lembram você. Se vier será por não ter motivos para vir. E carregará consigo esses motivos.
E eu não ensaiei nenhum olhar e nenhuma palavra, gesto ou reação. Se você vier, não antevi nenhuma emoção. Eu vou ficar aqui adivinhando suas razões, suas desculpas e sua sempre infundada preocupação comigo. Vou tentar disfarçar ser digno de pena. Vou esconder esse grande medo de querer não querer ver mais você, sem saber por quê. Vai ser uma tentativa vã de esquecer, agora que não esqueço mais nada, por ter aprendido a não esquecer.
Tudo aqui se torna uma ilha e eu náufrago. Enviando mensagens em garrafas para o mundo imenso lá fora, terrível como um mar em fúria, onde ainda tento conduzir à esmo minha nau desgovernada.
Que encontrem as cartas e as leiam, mas esqueçam o náufrago que as escreverá sempre, esqueçam como uma vela que aos poucos se apaga. Ou como um farol que não indica nada e lugar nenhum. Esqueçam, é fácil esquecer.
Talvez um dia as garrafas com suas cartas falem de mim. Ou talvez esqueçam de falar de mim e falem de como é bela essa ilha e sua fauna e flora, seu único sobrevivente.
Talvez falem de algo que antes eu nunca ia conseguir dizer.
A mesa posta de papéis. Queria escrever um poema, não saiu, não veio, não nasceu. Então uma carta, ansiava a folha de papel almaço presa a uma pequena prancheta, ansiava por quebrar-me o silêncio para desvendar-me os segredos, saber dessa cara de quem comeu e não gostou. Nem poema e nem carta. Nem vontade de chorar por acaso me deu.
Só não deu para evitar os pensamentos que buscam em volta tudo o que não se tem, por não ter mesmo ou não poder ter. Os livros fechados num respeitoso silêncio.
Fome. Mortadela esquentada na frigideira com pão de forma, dois copos de refrigerante. Preguiça de fazer um café, nenhuma vontade de ingerir algo alcoólico. Um cigarro, este sim, fiel, não me falta. Um estar na varanda como em dias de outrora, estranhando o silêncio mais fora do comum, nenhum carro ou ônibus sobe ou desce a avenida, os vizinhos dormem e ninguém passa na rua. E isto tudo parece que a noite inteira.
Olhar em volta e fazer um inventário de tudo o que me falta. Falta-me somente você e tudo de seu que se torna impregnado no apartamento, em minhas lembranças e tão dentro do fundo de mim mesmo.
Eu tive que arrancar-lhe as palavras que hesitava me dizer, para minha ruína e infortúnio. Eu tive que responder as perguntas que lhe fiz, responder a mim mesmo, entendendo o que nunca diz e nunca vai dizer.
Eu vou esperar sábado você não vir. Vou esperar com uma devoção medonha estar errado em minhas esperanças, mais uma vez. E pode ser que não esteja. Então, finalmente, não vou ter mais pelo que esperar.
Eu acordo agora pensando numa razão e numa forma para deixar você em paz.
E fico fazendo túmulo do lugar onde moro, vou adivinhar que se vier sábado vai ser para me devolver as chaves e o olhar meu que lhe persegue. Se vier, vai ser para apagar o último candelabro, quebrar o último espelho, fazer-me esquecer as músicas que lembram você. Se vier será por não ter motivos para vir. E carregará consigo esses motivos.
E eu não ensaiei nenhum olhar e nenhuma palavra, gesto ou reação. Se você vier, não antevi nenhuma emoção. Eu vou ficar aqui adivinhando suas razões, suas desculpas e sua sempre infundada preocupação comigo. Vou tentar disfarçar ser digno de pena. Vou esconder esse grande medo de querer não querer ver mais você, sem saber por quê. Vai ser uma tentativa vã de esquecer, agora que não esqueço mais nada, por ter aprendido a não esquecer.
Tudo aqui se torna uma ilha e eu náufrago. Enviando mensagens em garrafas para o mundo imenso lá fora, terrível como um mar em fúria, onde ainda tento conduzir à esmo minha nau desgovernada.
Que encontrem as cartas e as leiam, mas esqueçam o náufrago que as escreverá sempre, esqueçam como uma vela que aos poucos se apaga. Ou como um farol que não indica nada e lugar nenhum. Esqueçam, é fácil esquecer.
Talvez um dia as garrafas com suas cartas falem de mim. Ou talvez esqueçam de falar de mim e falem de como é bela essa ilha e sua fauna e flora, seu único sobrevivente.
Talvez falem de algo que antes eu nunca ia conseguir dizer.
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