sexta-feira, outubro 06, 2006

06 de outubro de 2006 - SEXTA-FEIRA

Agora vai ser assim de eu ficar conversando por cartas daqui dessa ilha em que naufraguei. Somente para contar os dias, as horas, os pensamentos, tudo se tornando todo o tempo que nos devora e nos contém. Tudo o que se tem, um tempo eterno naufragado numa ilha distante.
Ontem cheguei cedo, como sempre, na universidade. Fui à minha sala e guardei a bolsa e saí para andar e fumar, beber água, ir ao banheiro, como sempre. Da rampa olhava em direção à biblioteca, onde você deveria estar e aonde não fui. Alguma coisa não aconteceu (como não tinha que acontecer), como sempre.
Fui ao bar tomar uma cerveja e sempre tem uns amigos, mesa, cadeiras, copos e garrafas, fazendo parte daquele rol de coisas que nunca faltam em nossas vidas. Talvez um dia possa faltar um ou outro amigo, mas não sei se todos. Um bom papo, mas o relógio que torna o tempo mensurável e perceptível, acessível, e implacável, cobra entrar para ver mais uma aula de estética. Para a qual levo o meu adversário no xadrez, com a intenção de que matássemos as duas últimas para umas boas partidas. Joguei cinco e ganhei todas. Só dão certo as coisas que não interessam tanto.
Não consegui evitar pensar em você. E pensando se acaso você fazia o mesmo. Mas acho que não. Depois da nossa última conversa, acho que não. E talvez seja mesmo melhor eu achar que não.
Aí eu pensei em sábado. Como fazer para não esperar você vir. Ou esperar você não vir. Tanto faz! Esperar é tudo o que vai me restar e esperar é tão duro, é tão sofrível. Vou disfarçar o dia todo e o fim de semana todo e toda a semana que o separa do próximo fim de semana e você não virá.
Terminadas as partidas de xadrez no bar, e esvaziadas algumas garrafas e algumas conversas, hora de ir embora. Hora de me enfiar no trem. Hora de pensar quanto de minha vida fica nos trens, quanto de minhas recordações, de minhas mais tolas esperanças se fizeram nos trens que vão e vêm. Melhor sentar-me e tirar um livro para ler e melhor ainda que seja Cortázar. O tempo passa mais rápido quando se lê no trem.
Ao descer dele eu o olho, como se quisesse entender melhor essa relação entre o trem e eu. Tão grande e perigoso, tão útil e inútil ao mesmo tempo. Subo as escadas das estações e percebo que subo lentamente, como que para não antecipar os sentimentos que têm que vir na hora certa. Mas sempre subverte essa disciplina uma tola esperança. Viro à direita no fim da escada e o parque se estende à minha frente e meu olhar e pensamentos passeiam entre troncos das árvores que não têm infância, como eu dissera em um poema que naquele parque fui buscar uma certa noite, em que você ficou em casa. Essa tola esperança me fez imaginar que a luz da janela da sala estaria acesa, mas não estava. Fez-me então imaginar que você tinha passado lá à tarde e deixado algum vestígio. Mas não passou. E essa tola esperança ainda sobreviveu ao imaginar que sábado você iria lá, mas não sei se vem e até acho mesmo que não vai.
Então eu fiquei imaginando um jeito de esperar. Um jeito de não esperar, todos os dois contra qualquer expectativa minha tão infundada. Esperar é simplesmente a ausência de qualquer fundamento.
Dormi lendo Cortázar. A madrugada acordou-me para um cigarro na sacada. Para ver que a lua continua ali, fiel e previsível, a passear o pedaço do céu que me cabe.
De resto, tudo foi falta de você. Que me fez sentir falta de mim.

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