quarta-feira, outubro 17, 2007

Ela se foi

Ela se foi, simplesmente
Em sua barca na bruma do lago
Desapareceu no ínfimo tempo
De minha tão ínfima vida
Veio e me trouxe luz
Trouxe-me paz para as noites
E força para cada dia
Deu-me vontade de viver
Ainda mais e demais
Devolveu-me os melhores sonhos
Meu sorriso há muito esquecido
Fez-me chorar de alegria
E emocionar-me com a saudade
De repente a bruma
No lago brumoso
Sua barca distante
Ela se foi
Simplesmente
Como que de repente
E levou-me tudo

16/10/2007 – 14:54

terça-feira, outubro 09, 2007

MalDita Poesia

I

Em tudo que falo penso tão triste
Sentindo tão duro tanto sê-lo
Amarga hora maldita passa
De graça dilacera o que desespera
Já não sê-lo sem o silêncio
Mesmo sendo o grito só solidão
A imensidão que abarca aniquila
O vazio que envolve tudo supõe
Acaba ermo passo próximo em falso
Tão distante do que se ergue em sonhos
Dissonantes canções de cadafalso
Grande queda vôo tudo de volta
E em volta tudo que se afunda
Cega ilusão quimérica irônica
Sem luzes nem candelabros
Sempre um chão que se abre devora
Nunca um caminho apenas certo
Tão perto tudo se demora
Decerto quando erro acerto
Alguma palavra fora de hora
Linda e absurda histriônica
Agora a romper a fazer falta
O que sobra de vida soçobra
E o que me cobra esquece
Essa tristeza pura e incauta
De perder cada disso que não recobra
E me dobra dor tão profunda
Fecunda lágrima ardor inquieto
Meu teto de esperanças de sobra
Desejo de chão não ser completo
Um anseio criação nenhuma obra
Só ensejo de poesia moribunda

II

Basta que pense viver não dura
Pura angústia desnorteante
Basta que saiba efemeridade
Tocar o que a mão não segura
Impura imaginação desconcertante
Descria mundos finda eternidade
Necessidade tarde ver uma parte
Cegar-se para tudo tão importante
Pairar acima do que não é realidade
Na verdade mentir outra certeza
Com presteza ser só insignificante
O quanto antes negar beleza
Dispensar a hipócrita caridade
Iluminar-se perder a clareza
Renascer para o que é mortificante
Aceitar de vez o que não se atura
Em devaneios do que não se disse
Se não visse mais que um instante
Essa resignação com a incerteza
Intolerante luz para a cegueira
A vida inteira uma cela escura
Tão fria e vazia sufocante
Indolente com a hora derradeira
Tão certa com o que abjura
Imatura inspiração sorrateira
Altaneira de uma fé alienante
Diante da precisão do inesperado
Desesperado com o que se esgueira
Saturado do que não se queira
À beira do que não se tem buscado
Mais uma palavra, sequer mais uma
De uma poesia já agonizante

III

Andar caminhos nenhum jardim
Fados e sonhos nenhuma porta
Abismos e pontes nada que há em mim
O medo, enfim, mais uma folha morta
E corta o céu de meus dias
Cinza-escuro que azul aborta
Jasmim de minhas noites vazias
Garganta silêncio voz entrecorta
Se me dobra morta por que farias
Segredos de mais uma verdade morta?
Um mar espesso, perdido, ermo
Milhares de naus vidas sombrias
Perto e longe e onde meio-termo?
As luzes vagas o medo a praga
Um porto negro em terras fugidias
Onde a alma atraca tudo estraga
E traga a luz com o que me iludirias
Traz de além do além escuridão
Toda a treva para o meio-dia
E chama morte o que é solidão
Triste e duro como o que seria
Apenas dura e triste imensidão
Sem estrelas céu e chão
Sem palavras de uma inútil poesia
Tudo e nada faria pura desolação
Nasceria, viveria, morreria
Cansada alma dilacerada
Por nada não mais voaria
Calaria cada palavra marcada
Marcaria cada palavra que silencia
Matar cada palavra silenciada
De uma poesia assim desesperada

22/05/2007 – 12:40 * 23/05/2007 – 01:40 * 29/05/2007 – 19:11

sexta-feira, outubro 05, 2007

Um quase soneto do medo de te perder

Estás aqui comigo e eu me aquieto,
Em teu seio, meu abrigo, descanso
Da dura lida da vida, eu amanso
Feroz temor de ser nada ao ser completo.

Estás aqui comigo e eu me esqueço
Das dores que sinto sem lamentar,
O grito contido que minto não ecoar
A tudo o que ouve que não te mereço.

Estás aqui comigo e tenho medo
Do dia que vem de vez tirar-te de mim
Ou ocultar-te quando eu tanto clamo.


Quando de tudo que sinto faço segredo,
Sem dar por mim que conter um grito assim
Revelará a tudo o que vive que eu te amo.

Brinca a Vida

Brinca comigo a vida
Mente que brinca e fere
Fere brincando comigo
Dia a dia sangrando
Uma tão aberta ferida
Séria e brinca ainda
De pintar dias tristes
E tristes madrugadas
Depois de noites escuras
Brinca a vida de estar morta
E finda

Brinca a vida e amanhece
Mais um dia sangrando
De ferir sempre brincando
Brinca a vida e esquece
Essa aberta ferida a doer
E assim a vida vai passando
Eu o mesmo sempre sangrando
Tão incapaz de esquecer
A vida sempre brincando
Como quem não conhece
Um outro jeito de doer
Um nada que parece
Tão duro de se viver
Porque a vida brinca
E mente que brinca
Quando só fere
Nada mais sabe fazer
Do que ferir e brincar
De pintar-me tão triste
Em noites tão escuras
E não resiste
A madrugadas tão duras
Em brincar insiste
E em ferir ainda
E brinca e fere
Só não finda

Perdo-me o amor

Não me condene toda essa confusão interior
É tanto amor misturado com coisas tantas
Numa mesma forma e no forno assando
Passando do ponto e queimando
Perdoe-me se quiser quando puder
Os passos que levam até você
E as lágrimas que afligem
Se afligem ou incomodam
Perdoe-me existir
E aparecer no seu caminho
Ter entrado na sua vida
Pela mesma porta por que saí
Perdoe-me viver à sombra
De tudo o que você não me deixou ser
Não me queira mal mais do que já quis
Não tenha por mim raiva ou pena
Ou melhor, não tenha nada
Que já estou acostumado
Mas não tenha repugnância
Não me veja como o estorvo de sua vida
O contrapeso de suas boas lembranças
Não me odeie mais do que eu mereça
E não me mate mais do que o possível
Não me esqueça mais do que o necessário
E nem me despreze mais do que o suficiente
Não me deixe plantado na sua frente
Mais que o suportável
Não me deixe dizer mais do que o fútil
Que é útil (ou inútil?)
E não deixe por fim de comparecer
Ao enterro de minha última esperança
Nem à festa de aniversário de meu desespero
E quando eu tiver ido, por favor
Crie minha angústia
Como se ela fosse sua

São Paulo - 05/04/2005 – 17:22

Mais Nada

Agora eu fico só
Só isso e mais nada
Não sei se essa solidão
Cabe no apartamento
Não sei se virei pó
Uma rocha triturada
Perdida na imensidão
Espalhada pelo vento
A estrada deu um nó
Tropecei na caminhada
Perdi de vez a direção
Passos no esquecimento
Agora eu virei só
A alma estrangulada
Nem sonho nem ilusão
Gritos no sofrimento
Agora eu fico pó
Na beira da estrada
Viagem desatinada
Nada de arrependimento
A vida deu um nó
No meio da caminhada
Triste impressão
Morri no esquecimento
O amor me fez só
O amor se fez pó
O amor é um nó
Só isso e mais nada
Não há estrada
Nem caminhada
Rumo ou direção
Sonho ou ilusão
Nem imensidão
Há solidão
Mais nada

São Paulo - 12/07/2005 – 17:02 (Terceiro lugar no XV Concurso de Poesia da Universidade São Judas Tadeu, em 30/09/2005)

quinta-feira, outubro 04, 2007

Minha tristeza


Minha tristeza não é feita de lágrimas
É feita de ausências de amanhãs
De falta de sorrisos e luz dos olhos
Minha tristeza é um quarto vazio
Uma noite escura sem lua
Uma pessoa que não vem pela rua
Minha tristeza é assim tão minha
Tão minha que se parece com a sua

Minha solidão é tão terna
E minha vida tão pequena
Não sei sentir nem ser humano
Ao lado de humanos seres
Minha solidão tão triste
A si mesma se consola
No inevitável da hora
De ser a solidão tão triste e eterna

Então, de repente, mais um olhar no espelho
Um eu que me olha olhando eu olhar para ele
Um descompasso, um desconcerto, um aperto
Um certo cansaço de estar sempre certo
E triste e solitário ao mesmo temível tempo
Um contratempo de desencontrar-se
Um sentir-se tão bem e tão forte
Com a tristeza e a solidão tão serenas
Coisas pequenas de grandes pessoas de verdade

segunda-feira, outubro 01, 2007

Errando poesia

É com a vida que erro minha poesia
E com a poesia erro meus sonhos
E com meus versos em sonhos erro a vida
Porque erro meus versos em vida quando sonho
Eu me componho não de vida e sonhos
Mas de meus versos errando minha poesia

É com a estrada que erro meus passos
Meu descompasso de sentir-me tão medonho
Eu me descomponho no que faço
Sonho de vida, em poesia, tão enfadonho
E no fazer-me em versos é que me desfaço
E no desfazer em versos a vida é que sonho

E em versos a vida é o que não canto
Em meu canto sem compasso me esvazio
E vazio de mim a vida é um desencanto
Em versos sem compasso eu desvario
A poesia que erro é um pranto
E o pranto em versos é o que silencio

É com a poesia que erro o dom de amar
E é amando que erro o dom de existir
No que muito canto é que sei calar
Calando o grito é que posso resistir
A todo silêncio em mim que não pode clamar
E a todo o amor que em mim não pode mentir

Mas que se pudesse com certeza mentiria
E se acaso mentisse, seria poesia


06/06/2006 – 14:46

Beijo


No silêncio da noite
Tão implacável saudade
De sua boca me chama
E sem qualquer piedade
Faz-me revirar na cama

No silêncio da noite
Um sonho apenas
Sua boca que me quer
Para delícias serenas
De boca de mulher
Na calada da noite

Toco sua boca
Que me toca
Sem me dizer
O que provoca
Falta sua boca
Com que me toca
Sua boca de querer
O que não se quer
Sua boca de querer
Ser mais que mulher

Sua boca em minha mente
Sua boca tão ofegante
Minha boca impaciente
Sua boca mais um instante
Sua boca ausente
Da minha tão distante


30/03/2007 – 17:03 * 02/04/2007 – 01:24

As horas


Meus dias delírios de ócios
Minhas horas consumadas
Nesse desfazer-se a tempo
De se refazer em delírios
E consumar-se nesses ócios
Cegar-se com abundância de luz
Que tanto se desperdiça.

Meu silêncio nada mais que um grito
Sufocado, calado não sei onde no peito
O feito já desfeito satisfeito
Perfeito no que se tem de imperfeito
Um pretérito de todo o medo
Uma certa preguiça imperativa
De um futuro incerto para qualquer coragem
Desses míseros sonhos que são vendidos
Em troca de nada caro para a alma.

Passos marcados em tantos descaminhos
De um caminhar em vão, aonde vão?
Sempre um lamento na mais certa hora
Um canto de outrora por ora silêncio
Saudade do que ainda se vai ser
Quando o que fomos é estarmos mortos
E vencidos em luta nenhuma
Lembrados agora em nenhuma canção.

Era dura a luta e éramos jovens
Estarmos velhos é ser a luta outra
Delírios inconsumíveis dessas horas
Nesses ócios de meus dias consumidos
Não me resta agora absurda coragem
E nem ócios vãos e vãos delírios
Nem me resta luta alguma
Só as horas


14/08/2007 – 22:38 * 28/08/2007 – 01:06

quinta-feira, setembro 27, 2007

Controle

Um vendaval que entra por todas as janelas
Entreabertas, sempre entreabertas, o descuido muito bem cuidado
Uma pessoa que sai por uma porta, que nunca se fecha
Para uma outra sair por essas portas sempre abertas
Portas e janelas e seus trincos, a vida tem tramelas
E cada momento uma chave que nunca guardamos

Tudo tem controle, abre e fecha, portas e janelas, trincos e tramelas
Pessoas que entram e saem e nos carregam as chaves
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

O coração aos saltos, o rubor queimando as faces
O frio no estômago e a respiração disparada
A mão que sua sem pegar na mão que não é sua
O momento que se esgota tão rápido e não se repete
Essa facilidade de se perder em palavras tão ensaiadas
E dizer tudo quando não se quer dizer nada

Tudo tem controle, abre e fecha, o coração vazio, o tremor nas mãos
E a boca aberta a vomitar palavras, a chance que num momento escapa
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

Um sonho que se sonha assim sem cerrar os olhos
Lábios que se tocam suavemente até o romper da aurora
Os corpos e seus encontros e desencantos sempre aos cantos
Mãos que tocam hesitantes o que nunca vão segurar
Deitar-se sobre as estrelas e nunca mais adormecer
Entregar-se às madrugadas e nunca mais morrer

Tudo tem controle, abre e fecha, os olhos e os sonhos que virão
Mão que não seguram, noites não dormidas, morrer de madrugada
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

O porvir de uma certa tristeza renitente já tão conhecida
Existir precariamente em mundos sempre assim tão inóspitos
Construindo vãs realidades com seus momentos impenetráveis
Não ter a mínima certeza sobre qual seja o próximo passo
E não ser capaz de caminhar senão em fuga desesperada
Busca desenfreada, procura inútil, espera interminável

Tudo tem controle, abre e fecha, verdades, buscas e esperas
Certezas precárias, fugas intermináveis e vãs realidades
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

Paixões avassaladoras que nos invadem sempre na hora errada
Penúria mãe de todo amor e expediente o pai que não temos
Olhar que busca luz de outros olhos mas não sabe o que dizer
Pôr-se preso por vontade própria e não saber o que fazer
Esse suspirar pelo que não possuímos que queremos que nos possua
E esse se fazer vazio para sentir-se vazio para algo que nos faça repletos

Tudo tem controle, abre e fecha, paixões e amores e as horas
Saber o que dizer e fazer, o vazio e a vontade e os expedientes
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

Ver-se sozinho em mais uma noite estranha e tão conhecida
E uma previsível e hostil madrugada que avança sem pedir licença
Trazendo a melancólica incerteza inaceitável de um outro amanhecer
Que abre as portas de todos os medos, de todas as jaulas e de todos os infernos
Não ser mais capaz de sentir-se preso a qualquer ambiente
Não fazer parte de nenhuma paisagem e nem de nada no mundo

Tudo tem controle, abre e fecha, todas as portas da madrugada
Os infernos, as jaulas e os medos, o amanhecer da incerteza
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

A espera diante das horas que passam certas e intermináveis
A angústia que nos enlaça em todas as chances desperdiçadas
O não dizer, o não sentir, o não fazer, o não poder, o não querer
O silêncio, sempre o mesmo silêncio a devorar todas as palavras
A dúvida, a inquietude, o revolver-se no leito a noite inteira
Para o amanhã trazer todo o desconcerto do amor desconsertado

Tudo tem controle, abre e fecha, as horas, angústias e silêncios
E as palavras devoradas pelo silêncio como chances desperdiçadas
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

Expor a alma, abrir o coração, derramar todo o sentimento
Entregar-se irracionalmente ao mais impossível amor
Aceitar toda indômita paixão como livres e selvagens
Entender o inesperado e o insuspeitado e o revelar-se do absurdo
Viver como se cada momento fosse único e interminável
E saber esperar pela morte como quem espera o amanhecer

Tudo tem controle, abre e fecha, a alma e o coração, a vida e a morte
O único e interminável momento à espera do absurdo amanhecer
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

Amar aquilo que não pode ser tocado
Desejar o que não pode ser possuído
Reviver tudo o que já foi esquecido
Buscar o que não pode ser alcançado
Refazer aquilo tudo que foi destruído
E recomeçar o que nem tinha terminado

Tudo tem controle, abre e fecha, o que se toca e não se possui
O que se esquece e não mais alcança, o que se destrói
O que se refaz a cada dia e nunca se vê terminado
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

Tudo tem controle, abre e fecha, até mesmo o descontrole
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle
Descontrole o controle! Você pode decidir ter o descontrole sob controle
Controle o descontrole! Você pode decidir ter o controle sob descontrole
Tudo tem descontrole, abre e fecha, até mesmo o controle

Tudo tem controle, abre e fecha, esse e todos os jogos de palavras
O abrir e o fechar, o clamar e o calar, o imenso silêncio
As verdades sobre todas as realidades, relativas dores
O que vamos dizer depois e fazer amanhã, o que vão pensar
Qual o medo que gera todos esses nossos medos irmãos dos segredos
O outro lado da efêmera vida eterna onde vemos a máscara de deus
Olhando num espelho quebrado os olhos que me olham e não são meus
Tudo tem controle, até o descontrole
Controle o controle! Você pode decidir ter o controle sob controle

São Paulo - 04/05/2005 – 09:48

Virar-se do avesso

Virar-se do avesso e expor a alma
Nua e crua e ainda assim pura
Sem o medo da verdade
De uma noite caindo
De andar de madrugada
E de uma aurora rompendo
A nossa ilusão, noturna, como a lua negra
Que não vemos, mas está lá
Iluminando nossos passos
E confundindo nossos caminhos

Virar-se de lado e tentar não dormir, nunca mais
Os passos da madrugada não conhecem a estrada
E a estrada não trilhada não nos leva a nada
Só os descaminhos nos fazem voltar
Aos mesmos lugares que desconhecemos
E aos mesmos rostos, ao mesmo tempo estranhos e conhecidos
Fugindo inutilmente de todos os espelhos
De nossos temores mais infundados
Do porvir de uma aurora que seja a última
E de uma coragem que se fundamenta na espera

Virar-se de lado e dar de cara com mais um espelho
Ver na máscara da vida a face da morte
A pintura de todas as covardias com tintas de ousadia
Procurar em vão um canto no mundo onde haja silêncio
Onde a escuridão esconda a multidão de rostos
Um labirinto onde nenhum passo faça sentido
Uma inexistência de caminhos e estradas
Estar dentro de uma floresta que não tenha entrada

Virar-se de lado e ver-se em mais uma noite
Os mesmos passos em outras madrugadas
A aurora vindoura, será agora?
A aurora bem-vinda, será a última?
Todos os pensamentos que se esgotam
E todas as angústias que sufocam
Toda uma tristeza horrivelmente eterna
Todo o desespero certamente incontido
Como as lágrimas irrompidas na solidão

Virar-se de lado e ver-se despido de caminhos
E despossuído de todos os passos
Ver-se no espelho sem mascara e sem rosto
Alma, uma alma que transborda todos os corpos
Luz, luz que escapa sem domínio
E sem o menor escrúpulo
E ouvir todas as vozes de seu próprio silêncio
E todos os sons vazios da madrugada
Estar imerso nessa imensidão de nada
Nada! Nada! Nada!

Virar-se de lado e ver-se terrivelmente sozinho
E calado um segundo antes do grito inevitável
Uma eternidade antes de todo o fim
Dessa mais absurda espera
A última aurora, será agora?
A aurora vindoura, será a última?

São Paulo - 26/04/2005 - 15:39:11

quinta-feira, setembro 20, 2007

O que há?

O que há?

Há uma porta aberta
E uma janela fechada
Há um medo apenas
Uma vida apenas
E uma morte apenas
Há um só tempo
Chamado eternidade
Não há passado
Não há futuro
E nem há presente

Há a existência somente
Um olhar perdido no espelho
Há somente a inconsciência
E todos os sonhos confusos
Há somente passos e não caminhos
Há somente silêncio e não há poesia
Há tudo de imaterial e intocado
Há espíritos sobre as águas
Há dúvidas e não ciência
Há perguntas sem respostas

Há apenas uma voz interior
Que nos chama para fora
Um olhar perdido na imensidão
Uma lágrima apenas, furtiva
Para todas as dores do mundo
Há somente a respiração ofegante
A corrida frenética na caçada
Há sangue quente nas mãos
E o não saber se caçamos
Ou se estamos sendo caçados

O que mais há?

Há somente um grito no escuro
A angústia e o suor nas faces
Há apenas uma noite mal dormida
Uma madrugada que avança
Há somente um dia que não chega
Uma porta que dá em outra porta
Milhões de portas diante do abismo
Há profundezas sem fim
E somente asas partidas
Há um vôo no infinito

Há somente um silêncio aterrador
Apesar da vontade de não calar
Há apenas a palavra contida
Cativa desse silêncio absurdo
Há poemas mortos, muitos
Há poesia renascida das cinzas
Há somente tristeza, toda
Há incerteza do sorriso
Há esperanças enterradas
Um deserto de cruzes fincadas

Há mães velando quartos vazios
E pais embalando berços quebrados
Vidas inteiras sem história
Tanta gente sem memória
Há apenas um lado, só um lado
O lado de lá que anula o lado de cá
Há tanta solidão na multidão
Tanta gente falando com as paredes
Há somente o horror humano
De não ter mais para onde ir

O que ainda há?

Há duas mãos cobrindo o rosto
Há o temor de encontrar
O receio de ver, de poder ver
Há hesitação em cada olhar
Uma renúncia atroz de voltar atrás
Há a incapacidade de se refazer
Há uma floresta dentro da floresta
E mais uma noite por cair
Há o que não se pode recolher
Mil pedaços do que se desfez

Há somente uma quietude imponderável
Uma tristeza que espreita os passos
Mistura-se à melancolia dos momentos
E torna-se angústia no passar das horas
Há essa vontade de ficar jogado no chão
E derramar de vez todas as lágrimas
E libertar enfim todos os gritos
Expurgar todas as possíveis dores
Esquecer para sempre todo o sofrimento
E matar de uma só vez todos os amores

Há apenas esse canto espalhado no ar
Essas palavras que nunca vão voltar
Há apenas outros cantos que não vão soar
E tantas outras palavras que não irão brotar
Há apenas o desconhecido a nos guiar
O vazio do infinito que nos contém
Há tão somente meus olhos sem luz
E tudo o que não pude ver
Há na frente apenas morte e desolação
O resto de tudo o que não pude viver

O que há então?

Há somente a alma arrasada
Como uma cidade bombardeada
E não sabemos quanto é destruída
Porque só vemos a destruição
Há então sangue sobre a terra por nada
Há apenas desamor por tão pouco
Há infelicidade em tantos rostos
E desespero em tantos olhares
Há somente tantos desencontros
Há só uma busca que não se busca

Há apenas uma outra fuga
Mais uma estrada que leva a nada
Esse estranhamento meramente humano
Esse querer o que não me pertence
Esse poder de tomar o que não é seu
Essa capacidade de não olhar o outro
E de estranhar o que vê em si mesmo
Esse lugar ermo a que nos condenamos
Há somente a solidão como uma jaula
E nosso olhar atônito para uma porta aberta

Há somente essas palavras que sobreviverão
E prevalecerão sobre todos os nossos dias
Há somente tudo o que há para se compreender
Mas nunca haverá nada para esquecer
As palavras e as lembranças também morrerão
Junto com as horas que haverão de acabar
Juntos com todos os sonhos desvanecidos
Junto com toda a matéria dissipada
E toda a angústia da sabedoria
Irá se revelar nada, somente o nada

Então, ainda assim, o que mais há?

São Paulo - 15/05/2005 – 22:55

O que há não sei

Há um desenho
Que eu não fiz
Mas rasguei
Nele sou feliz
Não sei

Há vida
Que não tenho
Há amor
Que não tenho
Há esperança
Que não tenho
Há uma chance
Que não tenho

Há tudo o que não tenho
Que não cabe em um desenho
Rasgo todo dia tudo o que não tenho
Não tenho tudo que me faz feliz
Não sei

Há um sonho
Que eu tenho
Uma ilusão doce
Que eu tenho
Há tranqüilidade
Que agora tenho
Há uma palavra no silêncio
Que eu tenho

Há um desenho
Que desde sempre em mim
Eu tenho
Impossível de rasgar
E nele sou feliz
Não sei

São Paulo - 13/07/2005 – 9:19

Quem dera

Quem dera um canto num canto qualquer do mundo
Em que eu tivesse um tanto de paz
Silêncio nítido e profundo, fecundo
Num canto qualquer do mundo
Em meu rosto um encanto no meio do espanto
O silêncio de perdidos pensamentos
A mente cansada de mirar futuros instantes
E perder exatamente esses momentos
Com todos os seus significados tão inúteis
Quem dera fosse possível mesmo esse silêncio
Inatingível, imprescindível, inabalável
E o vazio dos pensamentos, sempre os mesmos
Possibilitasse nascer novos e renovados pensamentos
Quem dera sonhos em que as pessoas tivessem rosto
E passos com vida em caminhos de verdade
Quem dera a felicidade fosse possível
Tangível, verossímil, plausível
No apagar das terríveis lembranças
No morrer de todas as vãs esperanças
Quem dera livrar-se dos grilhões do tempo
Livrasse-nos do medo de estar vivo
E fizesse tomar a estrada da eternidade
Que nos leva a lugar nenhum e mais nada
Nada atrás ou à frente, nada na mente
Nada que exista realmente
Capaz de dissipar essa ilusão
Essa ilusão de estar vivo que cansa
E desespera no meio da madrugada
Em que a noite é só uma estrada
Que me traz de volta para esse lugar nenhum
Sempre, mais uma vez e sempre
E quem dera esse lugar fosse um canto qualquer
Num canto qualquer do mundo
Em que eu tivesse um pouco de mim
Bem lá no fundo
Onde ninguém me vê
Nem me conhece e nem me toca
Nem pode me ferir

São Paulo - 16/08/2005 – 20:13

Amo tanto

Amo tanto

Mandaram-me embora...
De todos os momentos que juntos vivemos,
Riscaram meu nome das histórias de antanho,
Terão queimado todas as fotos em que apareço?
E eu fui embora sem olhar para trás,
E ninguém me perguntou se ainda amo.
Ninguém quis saber se sobrevivo,
E nem lembrar que ainda existo.

E eu vou andar como uma sombra,
Preso aos momentos que não se esquece,
Reescrevendo histórias de antanho,
Numa história que não acontece.
Olhando para frente quando ninguém passa,
Amando mesmo que ninguém me pergunte,
Sobrevivendo sem que ninguém saiba,
E existindo mesmo que ninguém lembre.

Numa foto em que apareço sozinho,
Há tanto mundo atrás, mais do que se pode ver,
E tanto mundo na frente que ninguém vê,
Mas que eu via na hora da foto ser feita.
Tanta gente que passa alguém me perguntará,
E vou sobreviver e alguém terá que saber,
E só por existir alguém vai lembrar.

E sobre amar já não há mais o que falar,
São momentos dos quais não se esquece,
Quando acontecem rescritas histórias de antanho,
Em novas histórias que nem percebemos acontecer.
Tanto mundo na frente e gente que passa,
E me pergunta como sobrevivo e lembra que existo,
E eu amo tanto que alguém vai ter que saber.

São Paulo - 16/06/2005 – 18:49

quarta-feira, setembro 19, 2007

Poema para a Voz do Vento

Seus cabelos ao vento voam a tempo,
Eu não sei o momento,
Sei que invento o vento e o tempo dentro do tempo!
Seu rosto triste ao vento,
Tiram-me o intento do que não invento a tempo
De você sorrir, só rir, rir
Suas palavras soltas ao vento,
Eu mesmo tento ser uma palavra solta que não invento, tento!
Sua solidão é um vento que alguém inventa,
E nem ao menos tenta soltar-se a tempo
Sua tristeza é um tempo a dissipar-se ao vento
Bem a tempo dissipar-se
Há tanta poesia no vento e eu mesmo bem que tento, tento!
Eu mesmo tento estar atento ao vento,
Que me traz suas palavras perdidas, soltas ao vento, presas no tempo
Suspenso no tempo voa um vento,
O tempo não passa de um momento
Sua alma alada acorrentada à rocha de um triste tormento
Por que não voa mais ao vento?
Sua voz calada e cansada, por que não grita a tempo?
Enquanto há intento...
Enquanto eu tento ouvi-la ainda,
Com o sussurro do vento?
Vai-se o vento e a voz
O que será de nós?
E se agora cala no tempo o vento do sussurro de sua voz,
O que será de nós?
Amantes de palavras soltas ao vento sem nenhum intento,
De sacadas de madrugadas povoadas de tanto silêncio, sem vento!
A voz do vento no sussurro do tempo, um intento sem tormento,
Um instante sem voz: o que será de nós?
E o que será da voz de quem nunca ouvir o vento,
Nem por um momento perdido no tempo?
E haverá ainda tempo em que se possa ouvir o vento quando a alma alada não voa? Voa?
E voará ao vento alada alma acorrentada ao rochedo inexpugnável do tempo? Vento!
Ventos e vôos solitários de almas cansadas ao relento, sem nenhum intento...
Aladas acorrentadas cansadas e desesperadas almas sem vento, sem vento!
...e sem intento no que invento em madrugadas de sacadas enluaradas!
Eu bem que tento voar ao vento nem sempre a tempo, eu tento!
Eu bem que tento ser como o vento que não tem direção,
Só tempo de voar para onde me manda o coração! Onde?
Onde é que me manda?
Me manda o coração voar no vento no encalço de todas suas palavras caladas... no vento!
Então eu ponho minhas palavras ao vento para perderem-se bem a tempo...
Bem a tempo de encontrarem suas palavras caladas no tempo!
Não posso ouvir o sussurro de sua poesia calada e sem vento
Acorrentada num tempo em que tudo se cala a tempo,
De não dizer o que não pode esconder e revelar o que o vento, só vento pode espalhar...
Seus cabelos assim soltos ao vento,
Suas palavras presas no tempo bem a tempo de calar
Sua voz ao vento num tempo de clamar
Se matam o vento, se calam a voz,
O que será de nós?

Vai

Vai, leva seu corpo
E me deixa morto
Nesse meu lugar que é o chão
E nessa vida que é solidão

Leva cada meu olhar
E cada lembrança que vai voltar
De que nem sequer lhe ver
Deixa essa vida que é como morrer

Vai, e me esqueça
Por incrível que pareça
Eu nunca vou estar bem
Com o querer o que não se tem

Vai, leva o que nem me deu
Deixa-me como quem morreu
Apague cada meu sonho
Depois de morto eu me recomponho

Vai, leva essa amanhecer
E essa capacidade de esquecer
E deixa-me aqui como encantado
Como uma sombra ao seu lado

Vai, agora que já morri
Não sei sentir tudo o que senti
Sentir é tudo o que padeço
E sem você, viver é tudo que esqueço

(18/10/2006 – 19:43)

Desolação

Seu cheiro pela casa
Sua ausência chega, entra e se instala
Há ecos ainda de seu sorriso
Reflexos de olhares seus nas paredes da sala
Vejo você com o rosto entre as mãos
Enfeitando a bagunça dos livros na mesa
E debruçada na janela displicente
Adivinhando minhas paisagens
Ainda está ali o seu calor na cama
O perfume de seus cabelos no travesseiro
Tem muito de você no abraço da poltrona
E no sofá tão pequeno no qual nem cabe
Tem uma lua olhando você na sacada
E uma escada que lhe traz à porta tão burra
Que não sabe nunca que é você que chega
Porque se soubesse já se abriria lisonjeira
A toalha vermelha mais do que eu tocou seu corpo
Meus chinelos depois de serem por você calçados
Nunca mais me quiseram
Os papéis perguntam de você
Os poemas falam só de você
E um parque fica lindo quando vê você
E em tudo tem tão pouco de mim, sem você
O trem que leva você gargalha nos trilhos
Maldito comboio de duro e frio ferro
E o trem que lhe traz se arrasta com inveja
Cada madrugada se cala
Como cada hora que é eterna de solidão
Quando a rua vazia avisa: você não vem

11/10/2006 - 11:25

Um dia depois de minha morte

Um dia depois de minha morte
Sair e me divertir
Ouvir todo o Creedence
Dançar e beber até cair
Esquecer que o dia amanheceu
Nublado e triste, é só um dia!
Nunca mais lembrar o que se esqueceu
Quem sabe até sorrir

Um dia depois de minha morte
Trocar de roupa e sair sem me vestir
Sair sem sentir que a vida existe
E insiste em brincar comigo
Brincar com ela outro meu jogo
Jogar fora penas mortas de asas quebradas
E teimar tão tolo por essas mesmas estradas
Deixar você deixar eu pensar que consigo

Um dia depois de minha morte
Tentar achar que sou forte
Atropelar todos os buracos do caminho
E andar agora só se for sem norte
E perder-me só se for sempre sozinho
Sentir-me tão estranhamente leve
Que o tempo me carregue
Desde que eu possa voar

Um dia depois de minha morte
Querer só o que for preciso
E fazer somente o necessário
Pensar só que não racionalizo
E para falar, falar só o contrário
Um dia depois não deve ser tão triste
Viver um dia depois de minha morte
A vida antes é o que não existe

Um dia depois de minha morte
Tomar um banho e lavar a alma
Com toda a raiva sentir toda a calma
Rastelar pensamentos ao pentear o cabelo
Prostrar-me no fogo de viver nu em pelo
Fechar as janelas e trancar as portas
Ir ao funeral das últimas folhas mortas
Saudar a chuva lá fora como num dia de sorte

Um dia depois de minha morte
Queimar os livros e matar esperanças
Rasgar desenhos e poemas que não vieram
Enterrar quase todas as lembranças
E vender na praça todo o carinho que me tiveram
Apagar da poesia a última chama acesa
Não ser nunca mais o que de mim esperam
E encher de alegria toda essa tristeza

Um dia depois de minha morte
Esquecer de vez que tentei viver
Viver o que não sei poder esquecer
Matar de vez o que me mata aos poucos
Esperar nascer novas penas
Nas asas que se refazem
Voar além de todas as coisas que jazem
Nisso afinal que era vida apenas

Um dia depois de minha morte
Arrancar o coração com as mãos
Um dia depois de minha morte...


(12/10/2006 – 16:10)

terça-feira, setembro 18, 2007

Para ficar sem você

Para ficar sem você eu troco os lençóis da cama, escovo os dentes, penteio cabelo, calço as sandálias, ando pela casa, abro as janelas e olho dia. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu tomo um café preto e acendo mais um cigarro, ponho água na samambaia, varro o chão, lavo a louça de ontem, faço um macarrão e mato a fome e a sede. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu ponho a roupa de molho, água no filtro, arrumo os livros na estante, não ouço música e nem leio poemas, para ouvir ainda mais o silêncio. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu mantenho os papéis e livros sobre a mesa, atento a uma sorrateira inspiração, não escrevo cartas, não telefono, não saio de casa nem para ir à padaria ou à farmácia, recosto-me na poltrona e fico vendo a dança das árvores com a música do vento e cochilo. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu corto as unhas e limpo as orelhas, procuro não sei o que nas gavetas, reviro as caixas no armário, dobro as roupas sem passar, para passá-las sabe-se lá quando e passo o dia sem fazer nada. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu escolho os pensamentos, não pronuncio seu nome na mente, nem o escrevo nas paredes ou nas árvores do parque, leio quadrinhos, olho a rua pela décima vez, o céu azul por detrás dos prédios, procuro uma palavra no dicionário. Para ficar sem você.

Para ficar sem você invento motivos, evito lembranças, elimino esperanças, imagino desculpas, adivinho respostas e não faço absolutamente nenhuma pergunta, nem as mais imprescindíveis, nem as inevitáveis, nenhuma. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu aprendo a morrer quando o dia amanhece, e não viver o que não se esquece, não acreditar no futuro e sentir intensamente o que é somente o agora. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu escolho palavras, ensaio gestos, disfarço expressões, dispenso impressões, entrego-me a uma só emoção e invento e reinvento todo dia toda a solidão. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu olho a rua e a porta (e tudo o que não se mexe), contemplo paredes sufocantes, piso um chão incandescente, tomo um banho escaldante, eu penso em tudo como era antes, exumo momentos distantes, ouço violinos fictícios, deixo-me hipnotizar pela respiração. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu aceito o impossível, creio no inexplicável, entrego-me ao insustentável, sobrevivo ao insuportável e nego tudo o que me é negado. Para ficar sem você

Para ficar sem você eu aceito o inesperado, espero o inaceitável, encaro o inevitável, pasmar diante do inconcebível, concebo o impossível. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu vejo a tarde cair fresca e entrar pela janela, sinto as horas passarem apressadas indo dar no meio de nada, e mesmo com todo o medo, sinto o tempo devorar a vida, até que mais nada se possa pensar ou fazer a tempo. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu sei que tenho que saber ignorar todos os telefones públicos, ter uma péssima memória para números, uma desorientação para lugares, ter uma estrita disciplina para ir aonde somente tem que ir e não saber nunca procurar. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu aprendi a escrever no escuro, tive que esquecer todos os caminhos, abrir mão de todas as manias, isentar-me de todos os caprichos, tive que me importar muito pouco comigo mesmo. Para ficar sem você.

Para ficar sem você não vou a duas festas de três e nem a terceira, dispenso o convite que a noite me faz para dormir, entrego-me à madrugada – essa tão má companhia – a andar a esmo, pelo simples gosto de perder-me. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu equilibro no ar histórias da infância, com pipas em céus azuis, mundos distantes nos quintais, e ando na corda bamba dos sonhos da mocidade, um coração de sete andares – e tantas moças, suas moradoras -, as noites e os bailes e uma música apropriada para cada lembrança. Para ficar sem você.

Para ficar sem você eu tenho que tão perto me fazer bem distante, aplacar todo o desejo, apagar de qualquer sentimento toda a chama, querer nada e contentar-me com tanto nada e esvaziar-me ainda mais, tenho que ser o que não quero e querer o que não sou. Para ficar sem você.

Para ficar sem você há Beethoven e Vivaldi e seus violinos, há dentro de mim um menino, meus brinquedos preservados no sótão de todas as lembranças, todos os contos de fadas que falam de esperança, um porão de sonhos escondidos, um terreno baldio de segredos ajuntados, há um eu olhando do topo da vida para o outro lado. Que não tem nada. Para ficar sem você.

Para ficar sem você, eu vou ficando, fazendo tudo como se faz, como se fosse para ficar sem você; vou sonhando, sorrindo à toa, dançando, cantando, vou esperando amanhecer um dia, passarem as horas, vou brincando de esquecer, vou achando que tudo que faço é para ficar sem você, vou aquietando meu coração acelerado, vou pondo tudo de lado e vou sentindo que estou fingindo que estou mentindo que é tudo para ficar sem você.


28/10/2006 - 11:41

segunda-feira, maio 28, 2007

28 de maio de 2007 - SEGUNDA-FEIRA

Tanto tempo já e nenhuma carta. Nenhum sinal seu vindo de tão longe, e eu a me perguntar o quão longe. O que torna esse mar diante de mim ainda mais imenso. E essa ilha tão pequena e isolada de tudo, tão perdida e desconhecida, tão distante. Falar das distâncias, como elas funcionam interiormente. O mesmo que falar das proximidades, e de como elas não funcionam. A proximidade pode supor distâncias inconcebíveis e a distância supor proximidades inimagináveis. Próximo e distante, dois extremos do mesmo par de opostos, chamado, sem haver outra palavra que o defina, de distância.
Fiz belos trocadilhos com isso, naquela carta que você já deve ter recebido. Que eu penso nas coisas distantes e você nas próximas, para dizer que você está distante de mim e eu não estou próximo de você. Para depois dizer o mesmo de outro modo, que nem me lembro direito como foi. Sobre amar o que se está distante, como isso se dá? Não sabemos, não pensamos supor, não existe regra e nem receita.
E eu temo ter de ficar aqui nessa espera que pode ser equivocada. Talvez haja mesmo distâncias que nunca serão superadas. Talvez tudo o que haja seja mesmo só distância.
Entender o que aproxima e separa as pessoas, transformam as distâncias e cria proximidades, é querer muito. Sentir, talvez, sentir o quão próximo e distante podemos estar de alguém, e aceitar como verdade sua, é o que me importa.
Eu tento me fazer próximo, enquanto você parece se distanciar. E isso dói como o peso de uma incerteza. Eu compreendo o que sinto, sinto saudade e sei o que é, e sei ao que ela se refere, eu penso em tudo com muito zelo e cuidado, eu penso nisso tudo da forma mais abrangente possível.
Mas não passo daquele que fica e espera. Sempre a espera é a pior parte, a gente não sabe o que fazer enquanto espera. E a esperança surge como um tolo sentimento, carregado de seus temores e pesadelos, não há sonho na esperança, há só temor e uma necessidade inexprimível de desespero. Eu fico e espero, e minhas esperanças me ferem, estão sempre a me dizer o contrário do que quero ou penso, do que acho que vai ser.
Escrevo cartas cujas respostas silenciam. Espero e-mails que nunca vêm. E ao telefone há que se ter o prazer misturado a essa dor, quando se está ao telefone é porque não se está perto um do outro. E qualquer distância aí se desdobra, se mostra tão crua e real quanto pode ser. sentimo-nos impotentes, à mercê do tempo, separados por tanto espaço.
E pode ser que você venha. Para percebermos que distância que nos separou é capaz de produzir mudanças. E eu levo tempo para amadurecer as coisas, e as mudanças em mim ocorrem sempre em outro ritmo, bem mais devagar. Eu preciso apenas de tempo, de todo tempo que alguém possa precisar, para entender as coisas, aceita-las, e deixar que elas mudem, por si mesmas, contingentes, de acordo com as circunstâncias.
Sinto sua falta. Essa distância é permeada de incertezas. Você virá, certamente, e eu temo não saber quem serei eu, quem é você, ou quem somos nós.

quarta-feira, maio 23, 2007

23 de maio de 2007 - QUARTA-FEIRA

Agora é ficar sem graça. Talvez tenha sido normal tudo que você falou no último telefonema, e eu com essas adolescentes carências e saudades pueris, medos infantis, vou ler no que você disse só o que eu entendi. Ou o que mais temi. E aquela carta agora foi, talvez chegou, não dá para pedir para o correio devolver.
Mas disse o que tinha que dizer. Que eu me sinto tão mais só aqui sem você e toda essa solidão se transforma em coisa pior que nem sei, só de imaginar que você não vem.
Imaginar. Tantos transtornos nos causam na vida essa simples ação. E o oposto dela, já que o que agora me aflige é imaginar o que seria viver sem você. Restaria um bocado de muito boas lembranças, saudade de momentos que eu nunca mais teria, uma falta para se sentir para a vida inteira. Lamentar que as coisas não duram mais do que o necessário. Lamentar que as coisas vêm e vão, nascem e morrem, começam e acabam, são e se transformam. Assim como todos nós. E assim como todas as coisas que são nossas, invenções nossas, nossa imaginação, esse anseio por não saber nunca o que viemos fazer aqui.
Tudo de que me lembro é de um ônibus horrível levando você para bem longe. E o que eu mais entendo é o sentimento da pessoa que fica, enquanto outra se vai, entregues aos inaceitáveis meios de transporte. Os sentimentos da pessoa que fica, sem adivinhar que parte, e quanta parte de si mesma também vai junto e não se recupera assim tão fácil. E essa incerteza e insegurança de ficar, sem ter idéia de qualquer coisa sobre quanto ou o que a outra pessoa leva com ela, já que ficar é sentir falta de si mesmo, por parecer que se deixou levar todo, ou pelo menos tudo de melhor que se tem, ficando aqui com o pior.
E é assim que fico, com meus poucos recursos, lembrar, tentar não esquecer, não sofrer, saber esperar. Pobres recursos. É assim que fico, com esse medo terrível de que tudo não tenha passado de um sonho, um bom sonho. E agora acordar para a realidade, e não entender o vazio e a solidão, essa falta tanta de tanta parte de si mesmo.
Preferia não estar apaixonado. Atrevo-me a dizer, e tudo seria tão bem mais fácil. Preferia ser capaz de não amar mais. Ou, quem sabe, o que seria melhor, preferia não saber, amor ou paixão, não saber como e o que é, mesmo que fosse, não ter a mínima idéia do que sinto.
E talvez não escrevesse mais cartas e me livrasse das garrafas, apagasse a idéia de qualquer mundo além de mim, além dessa ilha em que estou sempre aprisionado, diante do mar imenso, a imaginar terras distantes, e pessoas inexistentes.
Mas não. Amo você a qualquer distância.
E nunca estou longe.

terça-feira, abril 10, 2007

10 de abril de 2007 - TERÇA-FEIRA

Devo dizer que se alargaram os horizontes de minha ilha, o mar não é mais intransponível e acabaram-se as garrafas. Há um parque em frente à janela do quarto, diante da qual há uma imensa árvore, maior do que o próprio prédio e, mais além, outras tantas árvores, por entre cujos troncos gosto muito de passear, sobretudo à noite, que é quando reina o silêncio, e a solidão é tão mais digerível e palpável.
A uns duzentos e quinze passos há a estação do trem que me leva para o trabalho e me traz toda noite de volta para casa. Da sacada do apartamento posso vislumbrar o salpicar de construções de novos edifícios, que relegam ao esquecimento a cara que o bairro tinha há vinte anos. Por trás das construções que formam como que uma muralha, um céu estrelado sempre me espia em silêncio, compartilhando o silêncio dele com o meu. Às vezes uma lua passeia o céu, às vezes um céu passeia meus pensamentos.
À esquerda vejo a padaria, o posto de gasolina, postados diante da avenida que sobe para uma parte mais alta do bairro. Caminhando essa avenida, há uma farmácia, um açougue, um mercado, a pizzaria de meus jantares preguiçosos, o salão onde corto o cabelo, a academia de balé. Há a lembrança da casa e dos apartamentos em que morei. No fim dessa avenida há outra avenida, muito mais longa. Do ponto de confluência dessas duas avenidas, virando à esquerda, há um outro mercado, mais adiante uma outra padaria. E, ao virar à direita, há a agência do correio, que por ora tem me dispensado o uso das garrafas.
Não posso dizer com isso que não sou mais um náufrago, só por não habitar mais uma ilha deserta. Sou um náufrago ainda em meio a um mar de gente, por trazer no meu íntimo todas as ilhas desertas do mundo.
Meu ser tragou com voracidade o mar imenso e, nesse ato, todas as distâncias se anularam como num vôo da imaginação.
Restam-me apenas as palavras desse e de tantas cartas, que marcam profundamente, e ao mesmo tempo, minha ligação e o desligamento com o outro.
Não basta ser apenas um náufrago. Então eu me faço um náufrago, a todo instante, por livre deliberação e estrita necessidade de meu espírito.
O mar que é o mundo é por demais inexplorado para eu me perder nele impunemente.
Deixo, assim, essas cartas como um sinal para ser localizado, no farol do qual brotam minhas palavras iluminadas. Para poder ser sempre ser encontrado.
E, uma vez encontrado, para ser conhecido e reconhecido por aqueles que sabem ler mapas. Essas pistas custam-me muito de uma vida que não vem a ser lá grande coisa.
As cartas ensejam esse encontro e essa proximidade com o estar perplexo com tudo o que há em volta. Como que se o mundo tivesse sempre que ser redescoberto e renovado, como se esse redescobrir pudesse sempre me trazer o novo.
Não vivo sem o que escrevo e nem escrevo sem o que vivo. Uma vida é uma carta que se escreve uma página a cada dia, um parágrafo a cada hora, uma palavra a cada instante. E eu vivo o que escrevo antes de escrever. E escrevo o que vivo, depois de viver.
Se as cartas te encontram, eu não sei. Sei que me encontro nelas. Se de algum modo te tocam, também não sei. Eu me sinto tocado por elas (as cartas e as palavras e a vida), com a devida emoção e com a preferível comoção. Comover-se é mover-se com tudo aquilo que se faz e se sente, com tudo aquilo com que se sonha.
Escrevo essas cartas como que para atestar essa incapacidade diante do indizível, essa ilusão de eternizar os dias em cada página. Como uma necessidade vã de pintar um retrato tão mal acabado do que não podemos saber que somos, que já é saber o que somos: o que não sabemos que somos.
Observadores das marés do tempo no mar da eternidade, em nossas ilhas desertas, somos todos náufragos.

quinta-feira, março 29, 2007

29 de março de 2007 - QUINTA-FEIRA

Demora aquela carta de papel, do tipo que se põe no correio, que eu ia escrever essa semana. Ia não, vou escrever! Acho que preciso de um mínimo de inspiração para quase tudo, e essa semana foi um tanto quanto a boa e velha tristeza a assolar-me. Sempre a rotina de coisas e fatos, de conversas e pessoas, as pessoas sempre as mesmas com os mesmos velhos problemas.
Hoje vou escrever aquela carta que se põe no correio, para dizer que estou com saudade e que amo você, ainda que eu não use essas palavras, vou ter que dizer que amo você.
E que você tem feito uma falta tremenda na minha vida. É por isso que eu entendo tudo como tristeza, e essa falta de sentir-se completo.
De vez em quando eu leio as mensagens em garrafas de outras pessoas. Engraçado como todos tratam da realidade que está aí posta a nós todos. Os fatos, as críticas, a informação. Os blogs por aí vomitam informação.
Acontece que sou um cara mal informado. Não tenho televisão e não leio jornal, muito menos revistas, na internet somente as notícias mais superficiais. E não há quem me convença de que é imprescindível estar bem informado.
Uma operadora de telemarketing que queria me vender uma assinatura de jornal um dia ficou estarrecida. Perguntou-me como faço para saber sobre o mundo a minha volta. E eu respondi com uma pergunta: para quê saber? Perguntou-me o que leio e respondi que livros, somente livros. Certo é que leio algumas revistas sobre temas específicos, filosofia e história em quadrinhos (Ah! Hoje em dia tem que se dizer HQ!).
Eu desenho para passar o tempo, leio e escrevo poesia, tenho uma lista de livros para ler, filosofia e literatura, tanta coisa que não fiz em toda a minha vida, quando fiquei bastante tempo assistindo televisão.
Eu construo aos poucos essa metáfora de um náufrago na ilha. Longe de tudo o que desgasta e cansa, tudo tão rotineiro e tão sem graça.
Eu me lembro de todas aquelas conversas que tivemos e sinto uma imensa e horrível (porque insaciável por ora) saudade.
Eu acredito nessa coisa de duas pessoas se darem tão bem a ponto de confundirem isso com amor, mesmo que toda a racionalidade queira provar que o amor não existe e nem a felicidade.
E tudo isso pouco me importa, pois quando eu conversava com você cada minuto, não me preocupava com nada, nem com o amor e nem com a felicidade.
Amemos todo o amor que não existe e sintamos toda a felicidade que não sabemos.
Todo o resto, bem, todo o resto é só informação.

quinta-feira, março 22, 2007

22 de março de 2007 - QUINTA-FEIRA

Eu me lembro que esse blog era para ser sobre discussões filosóficas, por isso o seu nome, mas mudei para “Mensagens em Garrafas”, porque me vi na vida um náufrago e em meu naufrágio encontrei a salvação. Contentem-se com essas cartas, mensagens engarrafadas. Se elas contiverem algum resquício de filosofia ou poesia, será mero acaso. Pouco importa. Encontraram palavras e idéias. Se quiserem outra coisa, usem a imaginação.

Faz tempo que não escrevo aqui. A distância nos fez escravo dos e-mails e nos tornou os maiores contribuidores para a pujança das companhias telefônicas. Mas o que eu mais gosto é de escrever cartas à moda antiga, as famigeradas cartas escritas no papel e à caneta, daquelas que se colocam no envelope e tem que ir até uma agência do correio para enviar.
Para tornar isso mais justificável ( ir até o correio ) cuido de sempre colocar nas cartas alguns anexos: desenhos, marcadores de livros, prospectos. Na última, ou melhor, nas duas últimas, foram três desenhos, o prospecto de uma subida no Edifício Altino Arantes, de onde se vê toda a cidade, um marcador de livros, este, que tinha a foto de uma linda mulher lendo um livro, parecida com você, só pelo fato de ser linda.
Parece coisa do passado, escrever cartas de próprio punho. Mas é que sou do tipo de pessoa que torce sinceramente para um black-out, que será quando farei parte de um pequeno grupo de pessoas que estão acostumadas a ler, desenhar e escreve na penumbra de uma luz de vela. É bom manter um estoque de velas em casa, isqueiros e fósforos. Pode se que alguém ache minha idéia interessante. Talvez sem televisão e sem computador, as pessoas terão que voltar a escrever cartas. Mas que ninguém se iluda em me criticar por falar mal de uma ferramenta que utiliza, neste caso o computador que escreve e publica um post num blog, pois essa minha mania de tradição e antiguidade faz com que eu imprima tudo o que escrevo e mantenha em casa um estoque enorme de meus escritos, em papel, o bom e o velho papel. Que venha o black-out.
Eu tenho até em casa uma máquina de escrever. Mas precisava de outra, queria uma Olivetti Lettera 98 (aceito doações), umas das primeiras com a qual trabalhei.
Saudade de sua voz, de seu rosto, de sua presença pela casa, de seu cheiro na cama. Saudade da vida ser vida para se viver ao seu lado. Agora, nada para quebrar meu silêncio, ninguém para me arrancar histórias, para me inspirar arroubos de pequenas grandes alegrias. Agora tudo como uma lembrança amedrontada do passado, que tem o risco de não se repetir. Você aí e eu aqui. Muita imaginação para se manter o fascínio. Eu me esforço e me desdobro em cartas, essa maior invenção humana, depois da linguagem, da escrita e do papel, é claro.
Escolhi ficar na ilha. Mas escolhi também sair dela para ver você, ou enfeita-la em festa para receber você. Sempre você. Você para sempre.